Coletiva do Papa no avião: íntegra das perguntas e respostas

Publicado em 27/06/2016 | Categoria: Notícias Papa Francisco |


Armênia, Bento XVI, Lutero, Grã-Bretanha, homossexuais e mulheres diaconisas: estes foram alguns dos temas que fizeram parte da coletiva de imprensa que o Papa Francisco concedeu no voo que o trouxe de volta ao Vaticano, depois de três dias de viagem à Armênia.

Abaixo, a íntegra das perguntas e respostas, na tradução da redação brasileira.

 

Arthur Grygorian, televisão pública armênia.

(Em inglês) Santo Padre, todos sabem que o senhor tem amigos armênios. Já mantinha contato com as comunidades armênias na Argentina. No decorrer dos últimos três dias, o Senhor – por assim dizer – chegou a tocar o espírito armênio. Quais são os seus sentimentos, as suas impressões, e qual é a mensagem para o futuro, as suas orações para nós armênios?

Papa Francisco: Bem, pensemos no futuro e depois voltamos ao passado. Eu desejo a este povo a justiça e a paz. E rezo por isto, porque é um povo corajoso. E rezo para que encontre a justiça e a paz. Eu sei que tantos trabalham para isto e eu também fiquei muito contente, na semana passada, quando vi uma fotografia do presidente Putin com os presidentes armênio e azerbaidjano: ao menos conversam.  

E também com a Turquia: o presidente da República [Armênia] no seu discurso de boas-vindas falou claro. Teve coragem de dizer “entremos em consenso, perdoemo-nos e olhemos ao futuro”. Mas esta é uma grande coragem! Um povo que sofreu tanto, não? O ícone do povo armênio – e isso me veio hoje enquanto rezava um pouco – uma vida de pedra e uma ternura de mãe.

Carregou cruzes, mas cruzes de pedra – também se veem, eh? – mas não perdeu a ternura, a arte, a música, aqueles quartos tons tão difíceis de entender, e com grande genialidade…

Um povo que sofreu tanto na sua história, e somente a fé, a fé o manteve de pé. Porque, o fato que tenha sido a primeira nação cristã, isto não é suficiente: foi a primeira nação cristã porque o Senhor a abençoou, porque teve santos, teve bispos santos, mártires…

E por isso criou na resistência aquela pele de pedra – digamos assim – mas não perdeu a ternura de um coração materno; e a Armênia é também mãe. Esta é a segunda pergunta. E vamos à primeira, agora.

Sim, eu tinha tanto contato com os armênios; ia com frequência com eles à Missa, tantos amigos armênios, até mesmo algo que não gosto de fazer por repouso, mas ia jantar com eles, e vocês fazem jantares pesados, eh? Mas muito amigo, não?

Muito amigo seja do arcebispo Kissag Mouradian, da Apostólica, e Boghossian, o católico. Mas entre vocês a “Armenidade” é mais importante do que pertencer à Igreja apostólica ou à Igreja católica, e isso eu entendi naqueles tempos. Hoje me saudou um argentino de família armênia que, quando eu ia à Missa, o arcebispo sempre o fazia sentar ao meu lado para que me explicasse algumas cerimônias ou algumas palavras que eu não entendia.

Jeanine Paloulian, “Nouvelles d’Armenie”:

(Em francês) Obrigado, Santo Padre. Ontem à noite, no encontro ecumênico de oração, o senhor pediu aos jovens para serem artífices da reconciliação com a Turquia e com o Azerbaidjão. Gostaria simplesmente de perguntar – dado que em poucas semanas o senhor irá ao Azerbaidjão – o que o Senhor, o que a Santa Sé, podem fazer concretamente para nos ajudar, para nos ajudar a proceder. Quais são os sinais concretos. O senhor fez alguns na Armênia: quais são os sinais que o senhor dará, amanhã, no Azerbaidjão?

Papa Francisco: Eu falarei aos azerbaidjanos da verdade, daquilo que vi, daquilo que sinto. E também os encorajarei. Encontrei o presidente azerbaidjano e falei com ele. E direi também que não fazer as pazes por um pedacinho de terra – porque não é grande coisa – significa algo de obscuro, não? Mas eu digo a todos, isso: aos armênios e aos azerbaidjanos. Também não entram em consenso sobre as modalidades para fazer as pazes, e sobre isso se deve trabalhar. Além disso, não sei o que dizer. Direi aquilo que no momento me vier ao coração, mas sempre de modo positivo, procurando encontrar soluções que sejam viáveis, que sigam adiante.

Jean-Louis de la Vaissière, France Presse:

Santo Padre, antes de tudo gostaria de agradecê-lo, de minha parte e da parte de Sébastien Maillard de “La Croix”: nós deixaremos Roma e gostaríamos de coração de agradecer por este sopro de primavera que sopra sobre a Igreja. Então, temos uma pergunta: porque o senhor decidiu acrescentar abertamente a palavra genocídio no seu discurso no Palácio presidencial? Sobre um tema doloroso como este, pensa que seja útil para a paz nesta região complicada?

Papa Francisco: Obrigado. Na Argentina, quando se falava do extermínio armênio, sempre se usava a palavra genocídio. Eu não conhecia outra. E na catedral de Buenos Aires, no terceiro altar à esquerda, colocamos uma cruz de pedra recordando “o genocídio armênio”. Veio o arcebispo – os dois arcebispos armênios, o católico e o apostólico, e a inauguraram…

Além disso, o arcebispo apostólico na igreja católica de São Bartolomeu, uma outra, fez um altar em memória de São Bartolomeu… Mas sempre, eu não conhecia uma outra palavra. Eu venho com esta palavra. Quando chego a Roma, escuto uma outra palavra, “O Grande Mal” ou “a tragédia terrível”, mas em armênio, que não sei dizer. E me dizem que não, que aquela é ofensiva, aquela do “genocídio”, que se deve dizer esta.

Eu sempre falei dos três genocídios do século passado: sempre, três. O primeiro, o armênio, depois aquele de Hitler e o último, Stalin. Os três. Existem outros menores, há um outro na África [Ruanda]. Mas na órbita das duas grandes guerras, são estes três. E perguntei por que. Disse: “Mas, alguns dizem que não é verdade, que não houve genocídio”; um outro me dizia, um advogado me disse isso, que me interessou muito: “A palavra genocídio é uma palavra técnica, é uma palavra que tem uma tecnicidade, que não é sinônimo de extermínio. Pode-se dizer extermínio, mas declarar um genocídio comporta ações de reparação e coisas…”. Isto um advogado me disse.

No ano passado, quando preparava o discurso, vi que São João Paulo II usou esta palavra: usou ambas, “O Grande Mal” e genocídio. E eu o citei entre aspas. E não caiu bem, o governo turco emitiu uma declaração, a Turquia em poucos dias chamou o embaixador a Ancara – que é um bom homem, um embaixador de luxo, nos enviou a Turquia! – e voltou dois, três meses depois. Um jejum “embaixatorial” [ri], mas tem o direito: o direito a protestar todos nós temos, não? E neste discurso, no início não havia a palavra: isso é verdade, eh? Respondo porque acrescentei: depois de ter escutado o tom do discurso do presidente, e também com o meu passado com esta palavra, e ter dito esta palavra ano passado em São Pedro, publicamente, teria soado estranho não dizer o mesmo, ao menos.

Mas eu queria destacar uma outra coisa, e creio – se não erro – que disse: “Neste genocídio, como nos outros dois, as grandes potências internacionais olhavam para o outro lado”. E esta foi a acusação. Na Segunda Guerra Mundial, algumas potências tinham as fotografias das ferrovias que levavam a Auschwitz: teriam tido a possibilidade de bombardear, e não o fizeram. Um exemplo: no contexto da Primeira Guerra, quando houve o problema dos armênios, e no contexto da Segunda Guerra, quando houve o problema de Hitler e Stalin e depois Yalta, os campos de concentração e tudo aquilo, ninguém fala?

Deve-se sublinhar isso, e fazer a pergunta histórica: porque não fizeram isso? Vocês, potências – não acuso, faço uma pergunta… É curioso: se olhava, sim, à guerra, a tantas coisas, mas aquele povo… E não sei se é verdade, mas eu gostaria de ver se é verdade, que quando Hitler perseguia os judeus, uma das coisas que ele teria dito é: “Mas quem se lembra hoje dos armênios? Façamos o mesmo com os judeus!”. Não sei se é verdade, talvez seja uma fofoca, mas eu ouvi dizer isto. Os historiadores pesquisem e vejam se é verdade. Acredito que respondo. Mas esta palavra eu nunca a disse com ânimo ofensivo, e sim objetivamente.

Elisabetta Piqué, La Nación:

(Em espanhol) Parabéns, antes de tudo, pela viagem. Gostaria de perguntar: sabemos que o senhor é o Papa, mas que há também o Papa Bento, o Papa emérito. Ultimamente houve vozes, uma declaração do Prefeito da Casa Pontifícia, Mons. Georg Gänswein, que teria dito que existiria um Ministério Petrino compartilhado – se não me equivoco – com um Papa ativo e um outro contemplativo. Existem dois Papas?

Papa Francisco: (Em espanhol) Havia uma época na Igreja em que havia três! Em um tempo, na Igreja, havia três! [ri]. Eu não li aquela declaração porque não tive tempo, estas coisas… Bento é o Papa emérito. Ele disse claramente, naquele 11 de fevereiro, que renunciaria a partir de 28 de fevereiro, que sairia para ajudar a Igreja com a oração. E Bento está no monastério, rezando. Fui visit-lo muitas vezes, ou por telefone… Outro dia me escreveu uma carta, ainda assina com aquela sua assinatura, desejando-me uma boa viagem…

E uma vez – não uma vez: muitas vezes – eu disse que é uma graça ter em casa o avô sábio. Também pessoalmente eu o disse, e ele ri. Mas ele para mim é o Papa emérito, é o avô sábio, é o homem que me cobre as costas com a sua oração. Nunca esqueço aquele discurso que nos fez, aos cardeais, em 28 de fevereiro. “Entre vocês seguramente está meu sucessor. Prometo obediência”, e o fez.

Além disso, ouvi dizer, mas não sei se é verdade isso, eh? – sublinho: ouvi dizer, talvez serão fofocas, mas vão bem com o seu caráter, que alguns foram lá se lamentar porque este novo Papa… e os expulsou, eh? Com o melhor estilo bávaro: educado, mas os expulsou. Se não é verdade, é bem-vindo, porque este homem é assim: um homem de palavra, um homem reto, reto, reto, eh?, o Papa emérito.

Não sei se se recorda, que eu agradeci publicamente – não sei quando, mas acredito que em um voo – Bento por ter aberto a porta aos Papas eméritos. Mas, 70 anos atrás os bispos eméritos não existiam; hoje existem. Com este prolongar-se da vida, mas é possível manter uma Igreja a uma certa idade com achaques ou não? E ele, com coragem – com coragem! – e com oração, e também com ciência, com teologia, decidiu de abrir esta porta. E acredito que isto seja bom para a Igreja. Mas há somente um Papa. O outro… ou talvez serão como os bispos eméritos: não digo tantos, mas talvez poderão ser dois ou três… serão eméritos.

Foram [Papa], [agora] são eméritos. Depois de amanhã, celebra-se o aniversário de 65 anos de sua ordenação episcopal. Perdão, sacerdotal. Estará presente seu irmão Jorge, porque eles foram ordenados juntos. Acontecerá um pequeno ato, ali, com os chefes dos dicastérios e poucas pessoas, porque ele prefere uma coisa… aceitou muito modestamente, e também estarei lá. Direi algo a este grande homem de oração, de coragem que é o Papa emérito, não o segundo Papa, que é fiel à sua palavra e que é um homem de Deus. É muito inteligente, e para mim é o avô sábio em casa.

Alexej Bukalov – Itar-Tass:

A minha pergunta sai um pouco deste argumento: eu sei que o Senhor encorajou muito este Concílio Pan-ortodoxo, até mesmo no encontro com o Patriarca Kirill em Cuba foi mencionado como auspício. Agora, que o Senhor pensa deste fórum?

Papa Francisco: Um juízo positivo! Foi feito um passo avante: não 100%, mas um passo avante. As coisas que justificaram – entre aspas – são sinceras para eles, são coisas que com o tempo podem ser resolvidas. Esses quatro que não participaram queriam fazê-lo mais para frente. Mas creio que o primeiro passo se faz como se pode. Como as crianças, quando dão o primeiro passo, fazem como podem: os primeiros como os gatos, e depois os primeiros passos.

Eu estou feliz. Falaram de tantas coisas. Creio que o resultado seja positivo. Somente o fato de que essas Igrejas autocéfalas tenham se reunido, em nome da ortodoxia, para olhar-se face a face, para rezar juntos e falar e talvez fazer algum comentário, isso é muito positivo. Eu agradeço ao Senhor. No próximo serão mais numerosos. Abençoado seja o Senhor!

Edward Pentin – National Catholic Register:

Santo Padre, como João Paulo II, o senhor parece ser um encorajador da União Europeia: elogiou o projeto europeu quando recentemente venceu o Prêmio Carlos Magno. O Senhor está preocupado com o fato de que Brexit pode levar à desintegração da Europa e eventualmente à guerra?

Papa Francisco: A guerra já existe na Europa! Há ainda uma atmosfera de divisão e não somente na Europa, mas nos próprios países. Lembre-se da Catalunha, a Escócia no ano passado…. Essas divisões não digo que sejam perigosas, mas devemos estudá-las bem e antes de fazer um passo avante por uma divisão, falar bem entre nós e buscar soluções viáveis.

Eu realmente não sei, não estudei quais sejam os motivos para que o Reino Unido tenha tomado esta decisão. Mas existem decisões – e creio que já disse isso uma vez; não sei onde, mas disse… – de independência que se fazem por emancipação: por exemplo, todos os nossos países latino-americanos, inclusive os países da África, se emanciparam das coroas de Madri, de Lisboa; também na África de Paris, Londres, Amsterdã, Indonésia sobretudo…

A emancipação é mais compreensível, porque há por trás uma cultura, um modo de pensar. Ao invés, a secessão de um país – ainda não estou falando do Brexit – e pensemos na Escócia, é algo que deu o nome – e isso o digo sem ofender, usando aquela palavra que os políticos usam – de “balcanização”, sem falar dos Bálcãs, eh! É um pouco uma secessão, não é emancipação e por trás há histórias, culturas, mal-entendidos; mesmo tanta boa vontade em outros. É preciso ter isso bem claro.

Para mim, a unidade é sempre superior ao conflito: sempre! Mas existem várias maneiras de unidade e também de fraternidade – e aqui chego na União Europeia – é melhor do que a inimizade ou das distâncias. Das distâncias – digamos – é melhor a fraternidade. E as pontes são melhores do que os muros. Tudo isso deve nos fazer refletir.

Um país é verdadeiro: “Mas eu estou na União Europeia, quero ter certas coisas que são minhas, da minha cultura” e o passo – e aqui me refiro ao Prêmio Carlos Magno – que deve dar a União Europeia para reencontrar a força que teve nas suas raízes é um passo de criatividade e também de “desunião saudável”: isto é, dar mais independência, dar mais liberdade aos países da União.

Pensar outra forma de união: ser criativos. E criativos nos locais de trabalho, na economia. Há uma economia líquida hoje na Europa que faz – por exemplo na Itália – com que a juventude abaixo dos 25 anos não tenha emprego: 40%! Tem alguma coisa que não funciona naquela União maciça, mas não joguemos a criança com a água suja pela janela…

Procuremos resgatar as coisas e recriar, porque a re-criação das coisas humanas – inclusive da nossa personalidade – é um percurso e sempre deve ser feito. Um adolescente não é o mesmo que uma pessoa adulta ou um idoso:  é o mesmo, mas não é o mesmo, se re-cria continuamente. E isso lhe dá vida e vontade de viver e dá fecundidade. E destaco isso: hoje, a palavra, as duas palavras-chave para a União Europeia são criatividade e fecundidade. É o desafio. Não sei, penso assim.

Tilmann Kleinjung – Adr:

O Senhor hoje falou dos dons compartilhados pelas Igrejas, juntas. O Senhor irá – daqui quatro meses – a Lund para comemorar os 500 anos da Reforma. Penso talvez que este seja o momento certo, também para não recordar somente as feridas de ambas as partes, mas também reconhecer os dons da Reforma e talvez também – e esta é uma pergunta herética – para anular ou retirar a excomunhão de Martin Lutero ou de alguma reabilitação.

Papa Francisco: Creio que as intenções de Martin Lutero não estivessem erradas: era um reformador, talvez alguns métodos não fossem certos, mas naquele tempo, se lermos a história do Pastor, por exemplo, -– um alemão luterano que depois se converteu quando viu a realidade daquele tempo e se fez católico – vemos que a Igreja não era propriamente um modelo a imitar: havia corrupção na Igreja, havia mundanidade, havia apego ao dinheiro e ao poder. E por isso ele protestou. Depois era inteligente e fez um passo avante justificando o porquê fazia isso. E hoje luteranos e católicos, protestantes e todos, estamos de acordo sobre a doutrina da justificação: sobre este ponto tão importante ele não errou.

Ele proporcionou um remédio para a Igreja, depois este remédio se consolidou num estado de coisas, numa disciplina, num modo de acreditar, num modo de fazer, de modo litúrgico. Mas não era só ele: havia Zwingli, havia Calvino e quem estava atrás deles? Os princípios, “cuius regio eius religio”. Devemos nos inserir na história daquele tempo: é uma história difícil de entender. Não é fácil. Depois as coisas prosseguiram.

Hoje, o diálogo é muito bom e aquele documento sobre a justificação acredito que seja um dos documentos ecumênicos mais ricos, mais ricos e mais profundos, não? É de acordo. Existem divisões, mas dependem também das Igrejas. Em Buenos Aires, havia duas igrejas luteranas: uma pensava de um modo e a outra de outro modo, mesmo na própria Igreja luterana não há unidade. Respeitam-se, se amam…

A diversidade é aquilo que talvez nos tenha feito tanto mal a todos e hoje buscamos retomar o caminho para nos encontrar depois de 500 anos. Eu acredito que devemos rezar juntos: rezar! Por isso a oração é importante. Segundo: trabalhar pelos pobres, pelos perseguidos, por tantas pessoas que sofrem, pelos refugiados. Trabalhar juntos e rezar juntos. E que os teólogos estudem juntos, buscando… Mas este é um caminho longo, longuíssimo.

Uma vez, disse brincando: “Eu sei quando será o dia da plena unidade” – “Qual?” – “Um dia depois da vindo do Filho do Homem! Porque não se sabe… O Espírito Santo fará esta graça. Mas enquanto isso rezar, nos amar e trabalhar juntos, sobretudo pelos pobres, pelas pessoas que sofrem, pela paz e tantas outras coisas, não? Contra a exploração das pessoas… Tantas coisas pelas quais se está trabalhando conjuntamente. 

Cècile Chambraud, “Le Monde”

(Em espanhol) Santo Padre, há algumas semanas, o senhor falou de uma Comissão para refletir sobre o tema das mulheres diaconisas. Gostaria de saber se esta Comissão já existe e quais serão as questões sobre as quais refletirá? Enfim, por vezes, uma Comissão serve para se esquecer dos problemas: eu gostaria de saber se este é o caso?

Papa Francisco: Havia um presidente da Argentina que dizia e aconselhava os presidentes de outros países: “Quando você quer que algo não se resolva, crie uma comissão”. O primeiro a ser surpreendido por esta notícia fui eu, porque o diálogo com as religiosas, que foi gravado e, em seguida, publicado no “L’Osservatore Romano” era outra coisa, nesta linha, mas … “Ouvimos dizer que nos primeiros séculos havia diaconisas. Se poderia estudar sobre isso? Fazer uma Comissão?”. Nada mais ela pediram: foram educadas e não apenas educadas, mas também as amantes da Igreja. Mulheres consagradas. Eu disse que conhecia um sírio, um teólogo sírio que morreu, aquele que fez a edição crítica de Santo Éfrem em italiano. Uma vez, falando de diaconisas – quando eu vinha, eu me hospedava na Rua della Scrofa e ele morava ali – no café da manhã, ele me disse: “Sim, mas não se sabe bem o que eram, se elas tinham a ordenação”.

Certamente, havia estas mulheres que ajudaram o bispo e ajudaram em três coisas: a primeira, no Batismo de mulheres, porque há o Batismo por imersão; a segunda, nas unções pré e pós-batismal das mulheres; e o terceiro – isto faz-me rir – quando havia uma esposa, que ia até o bispo para reclamar porque o marido lhe batia: o bispo chamava uma dessas diaconisas, que viam o corpo da mulher para encontrar contusões que provassem essas coisas.

Eu disse isso, sim: “Mas se pode estudar? Sim, eu vou dizer à Doutrina da Fé que faça esta Comissão”. No dia seguinte: “A Igreja abre as portas às diaconisas”. Realmente? Eu fiquei um pouco irritado com a mídia, porque isso não é dizer a verdade das coisas às pessoas. Falei com o Prefeito da Doutrina da Fé, que me disse: “Olha, há um estudo que fez a Comissão Teológica Internacional na década de 1980. Depois eu falei com o presidente e eu lhe disse: “Por favor, faça-me uma lista de pessoas que o senhor acredita possam fazer parte desta Comissão”. E ele me enviou a lista, também o prefeito me enviou a lista e agora elas estão ali na minha mesa, para fazer esta Comissão.

Acredito que se estudou muito sobre o assunto na década de 1980 e não vai ser difícil esclarecer este tema. Mas há algo mais: um ano e meio atrás, eu fiz uma comissão de mulheres teólogas que trabalharam com o Cardeal Rylko, e fizeram um bom trabalho, porque é muito importante o pensamento da mulher.

Para mim, a função da mulher não é tão importante quanto o pensamento da mulher: a mulher pensa de outra maneira em relação a nós, os homens. E não se pode tomar uma decisão boa e justa sem ouvir as mulheres. Às vezes, em Buenos Aires, eu fazia uma consulta com os meus consultores e os ouvia sobre um tema: em seguida, chamava algumas mulheres e elas viam as coisas sob uma luz diferente e isso enriquecia tanto, tanto.

E depois a decisão era muito, muito, muito fecunda, muito boa. Eu tenho que encontrar essas mulheres teólogas, que fizeram um bom trabalho, que no entanto foi interrompido: por quê? Porque o dicastério para os leigos muda agora. Será feito, e eu espero um pouco que se faça para continuar este segundo trabalho, sobre as diaconisas. Outra coisa: as mulheres teólogas – é isto eu gostaria de enfatizar – é mais importante o modo de entender, de pensar, de ver coisas das mulheres, do que a funcionalidade da mulher. E repito sempre: a Igreja é mulher… e não é uma mulher solteirona, é uma mulher casada com o Filho de Deus, o seu Esposo é Jesus Cristo. Pense sobre isso e depois me diga o que você pensa …

Cindy Wooden, “CNS”

Obrigada Santidade. Nos últimos dias, o Cardeal alemão Marx, falando durante uma grande conferência muito importante em Dublin, sobre a Igreja no mundo moderno, disse que a Igreja Católica deve pedir desculpas à comunidade gay por ter marginalizado essas pessoas. Nos dias seguintes ao massacre de Orlando, muitos disseram que a Comunidade cristã tem algo a ver com este ódio contra essas pessoas: o que o senhor acha disso?

Papa Francisco: Vou repetir o mesmo que eu disse na primeira viagem e repito também o que diz o Catecismo da Igreja Católica: que não devem ser discriminados, que devem ser respeitados, acompanhados pastoralmente. Se podem condenar, não por razões ideológicas, mas por motivos – digamos – de comportamento político, certas manifestações um pouco muito ofensivas para os outros. Mas essas coisas não têm nada a ver com o problema: se o problema for uma pessoa que tem essa condição, que tem boa vontade e que busca Deus, quem somos nós para julgá-la?

Devemos acompanhar bem, de acordo com o que diz o Catecismo. O Catecismo é claro! Depois, há tradições em alguns países, em algumas culturas que têm uma mentalidade diferente sobre este problema. Eu creio que a Igreja não só deve pedir desculpas – como disse aquele cardeal “marxista” … [risos] – a essa pessoa que é gay, que ofendeu, mas também deve pedir também desculpas aos pobres, às mulheres e às crianças exploradas no trabalho; deve pedir desculpas por ter abençoado tantas armas.

A Igreja deve pedir desculpas por não ter se comportado tantas e tantas vezes – e quando digo “Igreja” entendo os cristãos; a Igreja é santa, os pecadores somos nós! – os cristãos devem pedir desculpas por ter acompanhado tantas escolhas, tantas famílias.

Lembro-me quando era criança da cultura de Buenos Aires, a cultura católica fechada: Eu venho de lá… em uma família divorciada não se podia entrar na casa: eu estou falando cerca de 80 anos atrás. A cultura mudou e graças a Deus, como cristãos, devemos pedir tantas desculpas, não só sobre isso: o perdão e não apenas desculpas! “Perdão Senhor”!, é uma palavra que nos esquecemos. Agora eu sou um pastor e faço o sermão… Não, isso é verdade! Muitas vezes o “padre patrão” e não o “padre pai”: o padre que bate e não o padre que abraça, perdoa, consola. Mas há muitos, muitos capelães de hospitais, capelães de prisioneiros: tantos santos, hein! Mas esses não são vistos, porque a santidade é “pudorosa” [tem pudor], está escondida.

Em vez disso, é um pouco sem vergonha a falta de pudor: é flagrante e se faz ver. Muitas organizações com pessoas boas e não tão boas: ou pessoas às quais você dá uma “bolsa” um pouco grande e olha para o outro lado, como as potências internacionais com os três genocídios.

Também nós, cristãos – sacerdotes, bispos – fizemos isso: mas nós cristãos temos também uma Teresa de Calcutá e muitas Teresas de Calcutá; temos muitas irmãs na África, muitos leigos, muitos matrimônios santos. O trigo e o joio; o trigo e o joio… não devemos nos escandalizar de sermos assim. Devemos rezar para que o Senhor possa fazer que esse joio acabe e que haja mais trigo. Mas esta é a vida da Igreja. Não se pode colocar um limite. Todos nós somos santos, porque todos nós temos o Espírito Santo dentro, mas somos – todos nós – pecadores. Eu por primeiro. De acordo? Obrigado. Eu não sei se respondi… Não só desculpa, mas perdão!

Padre Lombardi (Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé)

Santo Padre, permito-me fazer uma última pergunta e depois deixamos o senhor em paz … É sobre a próxima viagem à Polônia, à qual já começamos a nos preparar. E o senhor dedicará o mês de julho a essa preparação. O senhor pode nos diz algo sobre os sentimentos com os quais vai para esta Jornada Mundial da Juventude, neste Jubileu da Misericórdia. E outro ponto, um pouco mais específico, é este: nós visitamos com o senhor o Memorial de Tzitzernak, durante a visita à Armênia e o senhor também vai visitar Auschwitz e Birkenau, durante a viagem à Polônia. Ouvi dizer que o senhor quer viver estes momentos mais com silêncio do que com as palavras, como fez aqui, talvez também em Birkenau. Então, eu queria perguntar, se o senhor quiser nos dizer, se fará ali um discurso, ou se prefere, em vez disso, ter um momento de oração silenciosa com uma sua motivação específica …

Papa Francisco: Dois anos atrás, em Redipuglia eu fiz o mesmo para comemorar o centenário da Grande Guerra. Em Redipuglia fui em silêncio. Em seguida, houve a missa e na Missa eu fiz a homilia, mas era outra coisa… O silêncio… Eu gostaria de ir naquele lugar de horror sem discursos, sem pessoas, apenas as poucas necessárias… mas os jornalistas com certeza estarão… Mas sem cumprimentar este, aquele… não, não! Sozinho. Entrar, rezar e que o Senhor me dê a graça de chorar… 

(RB-BF-SP)

Leia também:

Papa se despede da Armênia: unidade, perdão e futuro sem divisões passadas

 

O Papa encerrou sua Viagem Apostólica à Armênia na tarde de domingo, 26 de junho.

Uma peregrinação marcada pelo ecumenismo e pelo esforço de Roma e Armênia em caminharem juntas à plena união.

Desejo expresso pelo Papa mais de uma vez durante a permanência nas terras do primeiro país do mundo a acolher o Evangelho.

“No caminho rumo à unidade, somos chamados a ter a coragem de deixar as nossas convicções rígidas e os interesses próprios, em nome do amor de Cristo”, disse Francisco.

Mas a unidade entre Católicos e Apostólicos não é “‘submissão de um ao outro’, – sublinhou o Papa – nem absorção, mas um acolhimento de todos os dons que Deus deu a cada um”.

Francisco convidou o povo armênio a perdoar o genocídio perpetrado no início do século passado.

“Prestemos atenção aos anseios das gerações mais jovens, que pedem um futuro livre das divisões do passado. Que, deste lugar santo, se difunda novamente uma luz radiante! Que à luz da fé, que desde São Gregório Narek iluminou estas terras, se una a luz do amor, que perdoa e reconcilia”.

(rb)

Papa se despede da Armênia: povo exemplo de resistência e determinação

O Papa Francisco se despediu da Armênia neste domingo (26/06), que o acolheu com afeto e alegria em sua visita a este “primeiro país cristão”. 

A Armênia é povoada desde os tempos pré-históricos. É uma terra  bíblica citada em alguns livros do Antigo Testamento com o nome do monte que é o símbolo desta terra: o Ararat.
 
O Livro do Gênesis 8, 4 diz que após o dilúvio, a Arca de Noé “encalhou sobre os montes de Ararat”.

Foi para “o país de Ararat” que Adramelec e Sarasar fugiram depois de matarem seu pai Senaquerib, rei da Assíria, contam o 2Rs 19, 37 e Is 37, 38.

O Profeta Jeremias predisse que Ararat estaria entre os “reinos” que viriam contra Babilônia no tempo de sua destruição (Jr 51, 27).

Este monte de 5.162 metros de altitude domina o horizonte de Yerevan, capital da Armênia, mas pertence à Turquia que como país com a configuração atual surgiu, em 1920, com o fim do Império Otomano.
 
O território habitado pelos armênios era imenso. Mas, em 1915, o Império Otomano iniciou o genocídio que resultou no massacre de um milhão e quinhentos mil armênios dentro de sua pátria histórica, que constitui a atual República da Turquia.

A capital Yerevan é uma das cidades mais antigas do mundo, fundada em 782 a.C pelo Rei Argistis I no Reino de Urartu que corresponde ao Reino de Ararat.

Esse povo que passou por várias vicissitudes ao longo de sua história, uma delas, recente, o ateísmo forçado até 1991, pois a Armênia fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sempre se manteve fiel às suas raízes cristãs, ao Evangelho proclamado aqui pelos Apóstolos Bartolomeu e Tadeu. 

Seguiu os passos de São Gregório, o Iluminador, fundador da Igreja Armênia, que em 301 curou o Rei Tirídates III que se converteu ao cristianismo e tornou a Armênia oficialmente cristã. 

O povo armênio é exemplo de resistência e determinação. Deixa um marca indelével no coração de quem se abre para acolher a sua história e cultura. Por causa do genocídio, esse povo fugiu do país e procurou refúgio em vários países do mundo, tornando-se refugiado.

Uma miniatura da Arca de Noé, simbolizando o papel da Armênia como ‘arca da salvação’ para os refugiados provenientes de várias regiões fronteiriças e do Oriente Médio, foi presenteada ao Papa neste sábado (25/06), no final do encontro ecumênico de oração pela paz, em Yerevan. 

Descendentes dos armênios perseguidos durante o genocídio levaram simbolicamente uma mostra de terra com sementes de uvas cultivas no país, colocando-a na arca, gesto repetido pelo Papa.

O Bispo dos Armênios Católicos da América do Sul, Dom Vartan Waldir Boghossian, que acompanhou aqui na Armênia a visita do Papa Francisco, nos fala da chegada dos armênios ao Brasil.  

De Yerevan para a Rádio Vaticano, Mariangela Jaguraba

 

Fonte: Rádio Vaticano



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