No Dia do Professor, mestres contam como é educar para a diversidade

Publicado em 15/10/2013 | Categoria: Notícias |


 

Nas salas de aula, esses professores devem garantir o resgate da cultura dos povos.

 

Por Mariana Tokarnia e Yara Aquino

Brasília – Em 2012, o Brasil tinha 2,3 milhões de professores. Entre eles, 415 mil (20%) se dedicam à educação para a diversidade, como para indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência (educação especial) e privadas de liberdade. O número desses profissionais cresceu 1,5% de 2011 para 2012, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Nas salas de aula, esses professores devem garantir o resgate da cultura dos povos, o ensino de direitos e das políticas públicas, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Cada situação impõe desafios aos docentes. Por exemplo, de acordo com a resolução do Conselho Nacional de Educação, 11,8% das pessoas que estão presas ou em centros de reabilitação são analfabetas e 66% não chegaram a concluir o ensino fundamental. “O tempo que passam na prisão (mais da metade cumpre penas superiores a nove anos) seria uma boa oportunidade para se dedicar à educação”, diz o texto.

Para os alunos da educação especial, as aulas devem visar técnicas e recursos específicos para garantir a inclusão.

Professora em núcleo rural

No quadro-negro da sala de aula da professora Elieth Portilho estão fotos de pássaros e frutas do Cerrado. As cartilhas falam de temas rurais e práticas do campo e foram elaboradas pela professora e os alunos. É com esse material que ela alfabetiza as crianças no Centro de Ensino Fundamental Pipiripau 2, localizada em um núcleo rural em Brasília.

Neta e filha de professoras de educação no campo, Elieth Portilho não teve dúvidas em seguir a mesma profissão. Apesar da certeza, ao longo da carreira foi questionada sobre a opção. Fazer um mestrado e estudar tanto para dar aula no campo?, foi a pergunta que ela ouviu algumas vezes. Mesmo com as indagações, o ânimo da professora só aumentou.

“São problemas diferenciados dos da zona urbana. Aqui há questões culturais, sociais, ambientais diferentes. Então, é preciso um estudo muito grande e comecei mergulhar e a buscar por que essa inquietação não tem fim. Comecei a estudar o material, a pesquisar, buscar pessoas que escrevem sobre o Cerrado, fui aos assentamentos visitar as famílias e conhecer a realidade deles”, contou.

Essa “inquietação” por falar a mesma língua dos alunos e conquistar o interesse deles para o estudo fez a professora desenvolver o material didático adaptado. “Como trabalhar tão apegada ao livro didático com uma realidade tão complexa?”, perguntava. Parte dos 15 alunos da professora Eliete mora em assentamentos e as famílias vivem da agricultura. Entraram em cena, então, visitas de campo com os alunos para conhecer de perto aquilo que se estuda em sala de aula. Para a leitura, poesias com nomes de pássaros e plantas do Cerrado e receitas com frutas que nascem no quintal de casa.

“O que sinto é que meus alunos conseguiram compreender muito mais quando larguei um pouco o livro didático e passei a ir para o campo. Eles têm mais entusiasmo, mais alegria”, conta.

Além das indagações sobre a escolha de ensinar no meio rural, a professora Elieth também enfrentou críticas ao método de ensino que adota. Há quem considere que ela está preparando os alunos para continuar no campo quando deveria formá-los para viver na cidade. “Alguns dizem que é uma perpetuação da pobreza, que a pessoa tem que ir para a cidade. Mas e se ela quiser continuar no campo? Se meu aluno aprender a ler e interpretar dentro desse contexto, em qualquer lugar ele vai ter sucesso”, conclui.

Ela lembra que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação a possibilidade de fazer ajustes ao material de ensino para atender à realidade social e cultural do meio onde o professor atua.

Além dos desafios de didática, a professora conta que a educação no meio rural enfrenta outras dificuldades e uma delas é o deslocamento. Durante um tempo, os estudantes iam para a aula de carroça e a pé, enfrentando chuva e sol, e já chegavam à escola cansados e suados, o que dificultava o aprendizado. Após um período de reivindicações, eles passaram a ter ônibus escolar para o deslocamento, acrescenta Elieth.

Em mais de 20 anos de magistério, a professora chegou a atuar em escola da área urbana, mas percebeu que seu caminho estava mesmo no campo. “As pessoas têm um preconceito: você vai fazer mestrado para continuar em uma escolinha do campo?, perguntam Aí é que temos que estudar para recuperar essa perda histórica de exclusão da escola do campo, que sempre foi relegada”, defende.

Leia mais:

 

Desafio é preparar adolescente para reinserção social, diz professor

 

Por Yara Aquino

Brasília – Policiais na porta da sala de aula, portões trancados e muros altos. Esse é cenário das aulas de português do professor Alan Araújo da Silva aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa na Unidade de Internação de Planaltina. O professor Alan é um dos 5.036 educadores que dão aulas a pessoas privadas de liberdade em todo o país, conforme determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

O professor Alan se interessou pelo trabalho com adolescentes em situação de risco ao lecionar em escolas da periferia. Em 2009, recebeu o convite para ensinar português na unidade de internação. As diferenças foram logo sentidas e o professor percebeu que teria que fazer adaptações pedagógicas para adequar os conteúdos à realidade dos internos.

“Lá fora você está preocupado em formar o cidadão para o mercado de trabalho, para ele ingressar na universidade. Aqui isso vai ser a longo prazo, a curto e médio prazo você está preparando esse cidadão para ele se reinserir na sociedade, não reincidir em ato infracional”, conta.

Com muitos alunos com histórico de abandono escolar, o professor busca alternativas para despertar o interesse dos jovens. Usa, por exemplo, letras de funk e clipes para analisar o português. “A posição de professor dentro da sala de aula aqui é diferente de lá porque os assuntos, a metodologia têm que estar adequados à realidade daqueles alunos, à linguagem deles”, disse. Os temas sociais são frequentes. “Na sala de aula é preciso desconstruir a intolerância, trabalhamos questões como a homofobia, a violência contra a mulher, doenças sexualmente transmissíveis”, explica.

O envolvimento com os dramas e questionamentos dos alunos é inevitável, segundo ele. E não é raro encontrar na unidade de internação alunos para quem o professor deu aula em escolas regulares.

Na unidade de internação a atenção à segurança é maior e é preciso estar preparado para eventualidades, conta o professor. Segundo ele, nas escolas regulares é menos frequente a evolução de pequenos conflitos para atos de violência. “Aqui há meninos com problemas de relacionamentos, conflitos uns com os outros. A segurança faz essa triagem antes de distribuí-los na sala de aula”, explica. “Aqui todo dia é algo novo, você não sabe o que está acontecendo dentro do módulo onde eles vivem, os conflitos que são gerados lá”, acrescenta.

Á medida que aumenta a escolaridade dos alunos, cresce neles também o interesse pelo estudo o que, segundo o professor, indica a importância do ensino para os jovens que cumprem medidas socioeducativas. A rotatividade dos estudantes que saem ao terminar de cumprir a medida socioeducativa, ou por problemas na unidade, no entanto, é um ponto que causa frustração.

“Você está fazendo um trabalho e vê que vai colher frutos e muitas vezes ele (o adolescente) é transferido, aí desconstrói todo o trabalho feito. Ás vezes se está no meio do processo e ele consegue liberação e vai para rua e, lá fora, sem o acompanhamento correto, deixa a escola de novo. Você nunca pode fazer planos a longo prazo”, relata.

Segundo o educador, uma das dificuldades no trabalho é que ações simples de serem postas em prática em outras escolas demoram a fazer parte da realidade das unidades de internação devido à burocracia que é maior. Outro ponto é a dificuldade de acesso aos pais dos internos.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), referentes a 2012, há 5.036 professores que atuam em prisões e unidades de internação nas redes municipal, estadual e privadas de todo o país. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado, 75% das pessoas privadas de liberdade se inscreveram para obter a certificação do ensino médio.

 

Dificuldades na escola levam aluna surda a seguir magistério

 

Por Yara Aquino

Brasília – As dificuldades que enfrentou na escola por ser surda despertaram o interesse de Adriana Gomes Batista em seguir o magistério para tornar mais fácil o aprendizado de crianças na mesma condição. Atualmente, ela é professora da rede pública de ensino do Distrito Federal e dá aulas na Escola Bilíngue Libras e Português Escrito.

Quando estudou, a professora Adriana sofreu com a falta de material adequado e de intérprete em sala de aula. “Eu precisei me esforçar muito para avançar nos estudos. Foi muito exaustivo. Não tinha intérprete na sala de aula, eu não tinha o recurso visual. Quando criança, aprendi o português lido e isso era mais difícil. Por isso, tive o sonho de estudar para trabalhar com as crianças que tinham dificuldade”, relatou Adriana em linguagem de sinais, traduzida à Agência Brasil pela coordenadora da escola.

Hoje, na sala de aula, Adriana ensina com o uso de dinâmicas de grupo, batalha naval, jogos, tudo combinado com imagens, sinais e vocabulário. A didática não é um desafio para a profissional que conhece as duas posições, a de aluna e a de professora surda.

Garantir a igualdade de condições no aprendizado entre os alunos surdos e os demais é uma meta da educadora. O recurso visual e a expressão são fundamentais no ensino. Antes, Adriana produzia material, fazia cópia de imagens e conta que era um trabalho exaustivo. Agora, na Escola Bilíngue, relata que o material é adequado. “Com a Escola Bilíngue, o conteúdo é o mesmo do estudante ouvinte. Queremos essa isonomia, essa igualdade”, conta a professora, que já soma 15 anos de profissão.

Para o futuro, ela quer mais. A intenção é ter material filmado para fazer avançar o trabalho em sala. “A linguagem de sinais envolve expressões e o ideal é material filmado”, explica. A educadora relata que quando ingressam na escola muitos alunos surdos ainda não entraram em contato com a linguagem de libras. Além de ensinar os alunos, a escola tem também cursos voltados para a família, destinados a facilitar a comunicação dos estudantes em casa.

Na Escola Bilíngue onde a professora Adriana ensina, as aulas são ministradas diretamente na linguagem de sinais, com o uso frequente de datashow e em turmas formadas por surdos. O modelo é diferente do adotado nas escolas inclusivas, onde as turmas são mistas e o professor dá aula oral com a presença de um intérprete de libras.

“Antes, existia apenas o modelo de inclusão. O aluno tinha um limite de conteúdo e ele acabava perdendo muito”, avalia a professora. “O principal desafio é vencer as limitações dos alunos surdos. Queremos que eles ultrapassem as limitações que existiam no modelo de inclusão”, acrescenta.

 

Professora diz que observa ´festas´ para ensinar indígenas

Por Mariana Tokarnia

Brasília – O sol nasce e Herminia Wôôpar Krahô já está de pé. Ela passa o café, toma banho e às 7h cruza o centro da aldeia até a escola. Ás 7h30min, o sino chama os estudantes, de 4 a 10 anos. Logo, as carteiras ficam cheias de “k””raré”, como são chamadas as crianças pelos indígenas da etnia Krahô na Serra Grande, uma das 27 aldeias que formam a Kraolândia, no nordeste do Tocantins.

Única professora indígena, dos quatro que ensinam na região, Wôôpar estudou em Paraíso do Tocantins (TO), a 63 quilômetros da capital Palmas. Começou a lecionar em maio de 2010 quando o antigo professor, também indígena, deixou a escola.

“Ele não tava cuidando bem”, diz a professora, que ainda não concluiu o curso superior. O conteúdo é todo na linguagem dos “mehin” – como chamam a si mesmos. É com Wôôpar que os pequenos aprendem a ler e escrever. “Tudo na língua (krahô), eu não ensino o português”, explica.

A aula dura cerca de uma hora e os alunos são dispensados. Alguns não aguentam até o fim, saem para brincar. Outros esperam o lanche, servido na escola, quando tem merenda. Á tarde, os alunos cuidam da tarefa. “Pra mim, (dar aula) é muito importante. Devagar eu vou aprendendo mais”, diz a professora.

Ela se orgulha de ver que alguns alunos já estão conseguindo ler e escrever. Dentro de casa, incentiva o filho Gabriel Ihôjawên Krahô, de 12 anos. “Estudar é importante”, reforça. A escola de Serra Grande tem duas salas de aula que atendem às 17 famílias que moram no local. Os pais costumam assistir uma ou outra aula dos filhos, para acompanhar o aprendizado. No turno oposto, a escola oferece educação para os adultos. Wôôpar era uma dessas alunas, mas resolveu se dedicar ao preparo das próprias aulas. Ela busca capacitação nos materiais didáticos distribuídos e em conversas com os outros professores.

A formação inicial e continuada de professores indígenas em nível superior, a produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português cabe ao Ministério da Educação, que também oferece apoio político-pedagógico e financeiro às escolas indígenas.

Em Serra Grande, o autor do material usado em sala de aula é o indígena Renato Yahé Krahô. O livro é usado pela professora Luana Barbosa Pimentel, que mora em Alto Lindo (TO), cidade próxima à terra indígena.

Ela dá aula do 1° ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, os alunos se misturam e tem entre 7 e 20 anos. Ensina história, geografia, português. E, mais recentemente, cultura, saúde e educação indígena.

Para essas disciplinas, além do material didático, muito do que leva para a sala de aula aprende também na própria aldeia. “Eu observo as festas, as cantorias”, conta.

Luana passa a semana na aldeia, dormindo na escola. No fim de semana, sai e enfrenta mais de quatro horas de estrada de chão para ver o namorado.”É um pouco difícil para ele, mas tem que aceitar”.

Para ela, trabalhar com os indígenas é um sonho de criança. “Eles precisam de alguém que venha de fora da aldeia, que ajude com a língua e com outras relações que são diferentes na cidade e que eles não entendem”.

Em Serra Grande, pelo menos uma vez por mês os indígenas vão às cidades próximas, como Itacajá (TO) ou Goiatins (TO), para fazer compras com o benefício do Bolsa Família. Alguns têm também um emprego na cidade. A relação com os “kupen” (os não indígenas) está presente no cotidiano. O português e a matemática são necessários.

Luana diz que muitos querem continuar na aldeia, mas há também a vontade de seguir estudando, fazer uma faculdade. ´Tem indígenas que estão fazendo faculdade em Itacajá. Muitos fazem magistério´, relata a professora, que começou a dar aula em 2010 e concluiu o curso superior este ano, aos 25 anos.

A experiência é positiva também para Vitor Aratanha, professor desde 2012 em outra aldeia krahô, Pedra Branca. Vitor trabalha com a etnia há cinco anos. Antes de ser professor, era funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai).

´A educação é um caminho mais profundo para se conseguir outra formação e poder ajudar um pouco na história deles. Os caminhos a que a educação te leva são mais profundos nas aldeias, tenho mais contato com os jovens´, diz.

A escola de Pedra Branca atende a 200 alunos, pouco mais de 100 têm aula com Aratanha. Segundo ele, um dos desafios é trabalhar pensando na perspectiva do próprio indígena. ´Há muitos jovens desconectados dos saberes tradicionais. O esforço é trazer isso para dentro da escola. E trazer também para os velhos´.

Outro desafio é adaptar o formato de ensino, ainda voltado para os centros urbanos, para a educação indígena. Ele defende mais capacitação e produção de material específico. “Para trabalhar com outras culturas é preciso ter outras perspectivas”, disse.

 

Fonte: Agência Brasil/ Dom Total



Os comentários estão desativados.