A voz do Pastor – Abril

Publicado em 08/04/2016 | Categoria: Notícias |


avozdoPastorAmados irmãos, irmãs, enfim, a Páscoa!

A páscoa dos hebreus foi a fuga do fracasso do Egito, a travessia do Mar dos Juncos. Foi quando eles comeram o pó do deserto, e enfrentaram perigos, fome, sede, serpentes, rebeliões. A páscoa para eles não foi nada calma, nenhum passeio ao parque, nenhum piquenique de domingo. Antes de ser um ganho, para os hebreus, a páscoa foi uma perda, foi a nostalgia da saudade, até das cebolas do Egito.

A Páscoa dos cristãos não foi diferente. Tanto, que cada evangelista reagiu a seu modo, ao acontecimento Paixão-Morte-Ressurreição de Jesus. A reação de cada um revelava também a reação que cada comunidade, por eles representada, fazia daquele evento crucial.

João, Lucas e Marcos são três exemplos claros dessa reação.

Para João, com sua visão teológica mais tardia, já bastante afastada dos primeiros dias de Paulo, ser elevado à cruz era para Jesus retornar ao Pai e entrar em sua glória. Ele sabia que o Pai havia colocado tudo em suas mãos, sabia que havia saído do Pai e que agora voltava para o Pai (Jo 13,3). Nesse sentido, a paixão e morte é uma marcha serena e solene para Jesus enfrentar as forças do mal. Não há nem angústia nem espanto. Não há resistência em beber o cálice amargo da dor. “A taça que o Pai me ofereceu, por acaso não hei de bebê-la?” (Jo 18, 11). Para João, a morte de Jesus não é senão o coroamento de um desejo profundo: voltar ao Pai. Só isso importava para Jesus. O caminho de volta seria o que o Pai escolhesse, e Ele aceitaria de bom grado, desde que voltasse.

Lucas vivia em outro ambiente. Ele omite o grito de angústia tirado do salmo 22,2 e o substitui por uma oração de confiança, tomada do salmo 31,6, acrescentada da palavra Pai: “Pai, em tuas mãos abandono minha vida” (Lc 23,46). Lucas queria deixar claro que a angústia vivida por Jesus não havia anulado, em nenhum momento, Sua atitude de confiança e abandono total nas mãos do Pai.

Mas Marcos, (ah!) Marcos – o primeiro relato que nos chegou por escrito – como se diz em linguagem popular, pega pesado! “Eloí, Eloí, lamá sabactâni – Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,34).  Apesar de “pegar pesado”, no que foi o desamparo absoluto de Jesus, esse é o que se pode considerar o mais antigo relato da tradição cristã, e pode ter mesmo remontado a Jesus. Estas palavras, transmitidas em aramaico, língua materna de Jesus, e gritadas no meio do abandono e da solidão total, são de uma sinceridade esmagadora. Se Jesus não as tivesse realmente pronunciado, dificilmente alguém da comunidade cristã teria se atrevido a colocá-las em Seus lábios.

Abandono total, solidão total! Jesus morre condenado pelas autoridades, justamente, do templo consagrado a Seu Pai. O povo não O defendeu. Os seus mais próximos fugiram. Só o que Lhe chega é zombaria e desprezo. O Pai, realmente, parece ter se retirado. Tanto que Jesus sequer O chama de Abbá, expressão familiar costumeira a Ele, mas de Eloí, Deus, como todos os judeus.

Jesus não duvida da existência de Deus. Jesus se queixa do silêncio do Pai. Jesus morre na noite mais escura. Morre com um por quê nos lábios. Não há certezas. Mas Ele sabe que tudo se encontra nas mãos do Pai.

Três dias depois, a Páscoa!

Mas o que é isso, a Páscoa, a Ressurreição?

A ressurreição, conforme cremos, não é um “como se”, não é uma metáfora. É algo que aconteceu a Jesus, ao crucificado, ao abandonado, e não à imaginação de seus seguidores. É um fato real: não se trata nem de fantasia nem de reflexão, por mais piedosa que fosse. Também não é uma maneira de dizer que a fé em Jesus foi despertada no coração dos discípulos.

A Páscoa é o desafio lançado até hoje aos cristãos. Afirmar que Jesus realmente, ressuscitou, é afirmar que houve um acontecimento que arrancou os discípulos da perplexidade e da frustração e os lançou numa adesão tão profunda, que só ela seria capaz de justificar a vida e a morte.

Dessa forma, Jesus não é só o profeta do amor que querem que Ele seja, nem o filósofo da existência que também O encarregam de ser. Sequer é possível dizer que a ressurreição foi uma volta de Jesus à vida anterior na Terra, retorno ao biológico que terá de morrer de novo. Os evangelhos nunca sugeriram isso. Ressurreição não é reanimação de cadáver, como aconteceu a Lázaro, à filha de Jairo ou ao jovem de Naim. Jesus não volta a esta vida. Ele retorna à vida de Deus, em Deus. Jesus continua o mesmo, mas não o de antes. Como é difícil colocar essas imagens em palavras!

Enfim, a Páscoa: a Páscoa de Jesus e a nossa Páscoa!

A força da Páscoa é o amor.

O que confere valor redentor ao suplício da cruz não é o sofrimento, é o amor. O que salva o humano de si mesmo não é nenhum misterioso poder salvador contido no sangue derramado diante de Deus. Por si mesmo, o sofrimento não é bom, não tem nenhuma força redentora, não agrada a Deus ver nem Jesus nem nenhum outro filho Seu sofrendo atrocidades, difíceis até de imaginar. A única coisa que salva no Gólgota é o amor insondável de Deus, e o amor insondável por Deus, encarnado no Filho, vivido por Ele, até o fim, até depois do fim. Não há nenhuma outra força salvadora a não ser o amor.

O dom da Páscoa é o amor.

Foi isso que Paulo intuiu, quando escreveu comovido: “O Filho de Deus me amou e Se entregou por mim” (Gl 2,20).

São sinais desse amor pascal todos os acontecimentos que nos cercam, tudo aquilo de que somos capazes, quando uma força interna nos empurra para longe da pequenez do ego.

Sinalizo essa força interna, pascal, na realização do encontro com os Conselhos Vicariais e a eleição dos membros que agora formam o Conselho Arquidiocesano de Pastoral. Está agora formado o Conselho Arquidiocesano de Pastoral.

Sinalizo essa força do amor pascal na solidariedade dos irmãos, com os desabrigados pelas chuvas, que atingiram várias paróquias da Arquidiocese, partilhando roupas, alimentos e ajudando os que perderam bens materiais.

Sinalizo essa força transformadora do amor pascal no início da terraplanagem e fundações da nova catedral, no dia 10 de março.

A força que se manifesta em nós não é outra, senão a força do amor pascal, o mesmo amor que levou Jesus ao abandono total, a mesma força que O tirou do vazio do nada e O reergueu à plenitude do Todo, “para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre, no Céu, na Terra e nos infernos e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fl 2,10-11).

Deixo vocês entregues a esse mesmo amor pascal que preenche todo vale infértil. Confio vocês a essa mesma força pascal, que remove toda montanha de pedra e faz brotar um jardim em cada asfalto.

A Mãe das Dores, Senhora da Esperança, Senhora de todas as transformações os acompanhe na caminhada pascal. Que começa e não termina, até nos encontrarmos todos em Deus.

Dom José Francisco Rezende Dias

Fonte: Arquidiocese de Niterói



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