A sabedoria do descanso

Publicado em 26/11/2013 | Categoria: Notícias |


 descansoFico implicado quando topo com a expressão “dias úteis”, como se houvesse dia inútil. A coisa fica ainda mais esquisita quando se sabe que o comércio, as repartições, as empresas em geral consideram úteis os dias que vão de segunda a sexta, o que leva à absurda conclusão de que são inúteis os sábados, domingos e feriados. E as férias, então, quer inutilidade maior? Pois já estou sonhando com elas… 

O fim do ano vai chegando, o cansaço acumulado pesa, o corpo e a mente começam a viver a expectativa do merecido e ansiado descanso… 

E como aprendi que tudo que pode ser pensado e sonhado, pode também ser rezado, fui buscar no evangelho de Marcos um trecho que rezei, certa vez, num retiro orientado pelo Pe. Adroaldo Palaoro. 

A narrativa parece reproduzir o cotidiano de Jesus. É um sufoco! Jesus, sempre em movimento, gente que vai e que vem, chega e sai, doentes em busca de alívio, pessoas sedentas de palavras de sabedoria ou consolo, curiosos querendo ver milagres. 

Em meio a tudo isso, Jesus e seus discípulos, envolvidos por essas multidões, atarefados, cansados, em alguns momentos, aparentemente perdidos. 

Num dado momento Marcos diz: 

“Os apóstolos se encontraram com Jesus, e lhe contaram tudo, tanto o que tinham feito como o que tinham ensinado. 

Então Ele lhes disse: Venham, vamos a um lugar deserto para descansar um pouco. Porque havia tanta gente ao redor deles que não tinham tempo nem para comer. 

Eles foram então, de barco, para um lugar deserto. Mas a multidão os viu partir, e muitos perceberam Jesus com eles e para onde iam; e correram para lá, a pé, de todas as cidades, e ali chegaram primeiro do que eles, e aproximavam-se dele. 

Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas”. 

Em Jesus, Deus se faz humano para melhor ser Deus e estar no meio de nós. E, estando entre nós, sem pressa, percebe nossas fragilidades e necessidades. Inclusive de fazer uma pausa… e descansar. 

A pausa é natural e necessária. Nosso corpo precisa de pausas, a natureza também. O dia, a noite, as estações, a semente que dorme sob a terra, antes de germinar, tudo respeita o necessário tempo de descanso. 

Mas é preciso sabedoria até para descansar…

 

Fico sempre muito impressionado, nos feriados,quando vejo na TV as filas e filas de carros levando pessoas aflitas que fogem das metrópoles para… descansar. 

Um dia na estrada congestionada para ir, um dia na praia lotada, um dia na estrada congestionada para voltar. E, na segunda-feira, o cansaço estressado de quem não conseguiu relaxar. Descansar não pode se transformar em mais uma tarefa, mais uma obrigação na agenda já lotada. É preciso ter sabedoria e dar dignidade também ao tempo de descanso que não se resume a um mero ‘não fazer nada’. 

Descansar é dedicar tempo ao repouso, ocupação séria e sagrada, pois nela também revelamos nossa semelhança com Deus que, como último detalhe na obra da Criação, criou o sábado, o tempo de descansar… 

Na nossa sociedade estruturada dentro da lógica capitalista, é comum medir as pessoas pela sua capacidade de trabalhar, produzir. Tem gente que até “vende as férias…!” para poder mais trabalhar e produzir e ganhar. Eu mesmo já fiz isso, numa determinada época. Trabalhava em quatro escolas simultaneamente. Produzia muito e ganhava bem. E gastei todo o dinheiro com médicos e remédios, graças a um infarto, aos trinta e três anos. 

Pouca gente consegue definir as pessoas pela sua capacidade de descansar. E descansar é uma arte, pois nos torna capazes de relativizar o tempo e preenchê-lo com aquilo que vale realmente a pena e a prenda. 

Só quem aprendeu a arte de descansar consegue, no trabalho, relacionar-se com o outro de forma serena, humana, leve e tranquila. 

Olhando à nossa volta, no nosso ambiente de trabalho, podemos perceber as pessoas no seu ritmo cotidiano e rever o ditado: “Diz-me como descansas e eu te direi quem és”. 

Muitas vezes os outros são obrigados a pagar a fatura do nosso cansaço, do ativismo em que nos envolvemos. Tornamo-nos “cansativos”. 

Ninguém merece o nosso estresse, ele é desumano e desumanizante. O descanso humaniza o trabalho e o clima das relações que cultivamos com os outros. Descansar é, portanto, uma questão de justiça social e de caridade fraterna. 

Só quem vive em paz, reconciliado, em primeiro lugar consigo mesmo, é que pode descansar como Deus manda. O descanso não é uma fórmula mágica, uma técnica de relaxamento, um exercício de academia. Tudo isso vira tarefa, compromisso de agenda, e mais estresse, e mais cansaço. 

Descansar é ter a sabedoria da simplicidade. É perceber que a pressa não é inimiga só da perfeição. Ela compromete também nossa capacidade de ver que o tempo é o mesmo, para todos. Para mim, para o Bil Gates, o Usain Bolt, o Sebastian Vetel e o Ivanildo, meu amigo flanelinha que fica ali na esquina, relaxado, todos temos as mesmas 24 horas por dia, a cada dia. A diferença está no que fazemos com elas… 

Não é por acaso que a Bíblia, logo no princípio, no Gênesis, nos apresenta Deus a descansar dos trabalhos da Criação (Gen. 2,2-3). Descansar é uma sabedoria que tem a marca do próprio Criador. 

 

 

Que venham as férias!

 

 Autor: Eduardo Machado

 



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