Adeus, não. Até breve, Francisco!

Publicado em 29/07/2013 | Categoria: Notícias |


 

O papa se despede do Brasil deixando um rastro de amor e amizade

O papa se despede do Brasil deixando um rastro de amor e amizade

O papa se despede do Brasil deixando um rastro de amor e amizade

 

 

Por Marco Lacerda*

 

Poucas vezes na vida vi acontecimento tão marcante. E olha que já tenho alguma estrada: vi o homem descer na Lua, o primeiro transplante de coração, Kennedy assassinado, o discurso célebre de Martin Luther King, os Beatles, Woodstock, as lentes de contato, a revolução de Steve Jobs na informática, o ataque às torres gêmeas de Nova York, a eleição do primeiro negro à presidência dos EUA, entre muitos outros de uma lista infindável de acontecimentos.

 

Nenhum deles, porém, se compara à visita de Jorge Bergoglio, o papa Francisco, ao Brasil, encerrada ontem. Francisco me impressionou desde o momento em que desceu do avião com seus sapatos surrados de andarilho (nada parecidos com os macassins Prada usados por seus antecessores), determinado a levar seu recado fraterno às periferias abandonadas e humilhadas do planeta.

 

Enquanto esteve no Brasil Francisco circulou por ruas e avenidas, em carros utilitários, que nenhum governante se atreveria a pisar sem a companhia confortável de contingentes policiais autorizados a disparar sem motivo contra uma juventude que sai às ruas para reivindicar uma vida mais justa e digna para o povo brasileiro. Mesmo sabendo das consequências funestas do seu gesto, Francisco se jogou nos braços das multidões, abraçando e sendo abraçado. Pastores de verdade não temem misturar-se às ovelha nem chafurdar os pés na lama.

 

A mensagem de Francisco ficou clara em sua primeira viagem internacional concluída neste domingo. Esse homem que escolheu como papa o nome de um pobre coitado der Assis quer uma Igreja pobre e para os pobres. No maior país católico do mundo não foram necessários teólogos para decifrar o recado. Sua magnitude estava clara na mansidão da voz de Francisco e na simplicidade de suas palavras.

 

O Brasil é um dos países emergentes já inseridos na partilha do poder mundial neste século 21. Nossa força está na classe média integrada por multidões que conquistam, à custa de muito suor e sofrimento, educação, casa própria, saúde e bem estar. Nosso fracasso são os que se perdem no caminho sem condições de acompanhar a marcha. Precisamente em nome deles veio Francisco. De que serve emergir da pobreza se a sociedade deixa para trás os desafortunados e doentes, os drogados e presos, maltratados e prostituídos, desempregados e sem posses …

 

É justamente a eles, em seus cem primeiros dias de pontificado, que Francisco tem dedicado seus sermões e o repetiu agora no Brasil, parte do seu continente onde os abandonados tornaram-se parte da paisagem.

 

Em sua visita o papa nada falou sobre moral sexual e reprodutiva numa região onde o conservadorismo católico busca sua identidade e traça uma fronteira com a sociedade, mesmo que sua posse da cátedra de Pedro coincida com os maiores avanços legais do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos EUA e na França. O que não significa que o papa seja contra ou a favor de tais avanços. Pelo que vimos e ouvimos durante sua passagem pelo Brasil, não é difícil concluir que sua opção, por ora, é dedicar-se de corpo e alma aos párias do planeta.

 

Durante a semana que Francisco passou no Brasil dormi embalado por algumas de suas palavras e reflexões:papa nao deixem que os roubem a esperanca

 

– Bote fé que a vida terá um novo sabor.

– Como diz o ditado, sempre se pode colocar mais água no feijão.

– Tudo aquilo que se compartilha, se multiplica.

– Como é bom ser acolhido com amor, generosidade e alegria.

– Não trouxe ouro nem prata, mas o melhor que me foi dado: Jesus Cristo.

 

A última frase do papa, pronunciada no palácio Guanabara no dia da sua chegada, teria desanimado o governador e o prefeito do Rio de participar da cerimônia, conforme foi ironicamente divulgado nas redes sociais. Os mesmos dirigentes, acostumados à farra do uso de jatinhos do governo para fins pessoais, coroaram seu descaso com o pontífice ao oferecer-lhe um helicóptero decrépito para levá-lo até o aeroporto Tom Jobim, de onde retornou a Roma. Protegido por sua modéstia, Francisco não reparou. De dentro do cacareco, apenas desenhou um coração com os dedos indicadores, como último gesto de despedida do Brasil.

 

 

*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.

 Fonte: Dom Total

 

Leia a íntegra do discurso de despedida do Papa:

“Senhor Vice-Presidente da República,

Distintas Autoridade Nacionais, Estaduais e Locais,

Senhor Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro,

Senhores Cardeais e Irmãos no Episcopado,

 

Queridos Amigos!

 

Dentro de alguns instantes, deixarei sua Pátria para regressar a Roma. Parto com a alma cheia de recordações felizes; essas – estou certo – tornar-se-ão oração. Neste momento, já começo a sentir saudades. Saudades do Brasil, este povo tão grande e de grande coração; este povo tão amoroso. Saudades do sorriso aberto e sincero que vi em tantas pessoas, saudades do entusiasmo dos voluntários. Saudades da esperança no olhar dos jovens no Hospital São Francisco. Saudades da fé e da alegria em meio à adversidade dos moradores de Varginha. Tenho a certeza de que Cristo vive e está realmente presente no agir de tantos e tantos jovens e demais pessoas que encontrei nesta inesquecível semana. Obrigado pelo acolhimento e o calor da amizade que me foram demonstrados. Também disso começo a sentir saudades.

De modo particular agradeço à Senhora Presidenta, por ter-se feito intérprete dos sentimentos de todo o povo do Brasil para com o Sucessor de Pedro. Cordialmente agradeço a meus Irmãos Bispos e seus inúmeros colaboradores por terem tornado estes dias uma celebração estupenda da nossa fé fecunda e jubilosa em Jesus Cristo. Agradeço a todos os que tomaram parte nas celebrações da Eucaristia e nos restantes eventos, àqueles que os organizaram, a quantos trabalharam para difundi-los através da mídia. Agradeço, enfim, a todas as pessoas que, de um modo ou outro, souberam acudir às necessidades de acolhida e gestão de uma multidão imensa de jovens, sem esquecer de tantas pessoas que, no silêncio e na simplicidade, rezaram para que esta Jornada Mundial da Juventude fosse uma verdadeira experiência de crescimento na fé. Que Deus recompense a todos, como só Ele sabe fazer!

Neste clima de gratidão e saudades, penso nos jovens, protagonistas desse grande encontro: Deus lhes abençoe por tão belo testemunho de participação viva, profunda e alegre nestes dias! Muitos de vocês vieram como discípulos nesta peregrinação; não tenho dúvida de que todos agora partem como missionários. A partir do testemunho de alegria e de serviço de vocês, façam florescer a civilização do amor. Mostrem com a vida que vale a pena gastar-se por grandes ideais, valorizar a dignidade de cada ser humano, e apostar em Cristo e no seu Evangelho. Foi Ele que viemos buscar nestes dias, porque Ele nos buscou primeiro, Ele nos faz arder o coração para anunciar a Boa Nova nas grandes metrópoles e nos pequenos povoados, no campo e em todos os locais deste nosso vasto mundo. Continuarei a nutrir uma esperança imensa nos jovens do Brasil e do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita!

O meu pensamento final, minha última expressão das saudades, dirige-se a Nossa Senhora Aparecida. Naquele amado Santuário, ajoelhei-me em prece pela humanidade inteira e, de modo especial, por todos os brasileiros. Pedi a Maria que robusteça em vocês a fé cristã, que é parte da nobre alma do Brasil, como também de muitos outros países, tesouro de sua cultura, alento e força para construírem uma nova humanidade na concórdia e na solidariedade. O Papa vai embora e lhes diz “até breve”, um “até breve” com saudades, e lhes pede, por favor, que não se esqueçam de rezar por ele. Este Papa precisa da oração de todos vocês. Um abraço para todos.

Que Deus lhes abençoe!

 



Os comentários estão desativados.