A Voz do Pastor – Jan/2019

Publicado em 01/01/2019 | Categoria: A Voz do Pastor Notícias |


 

“Vocês sabem que os governadores dos povos os dominam e que as pessoas importantes exercem poder sobre as nações. Entre vocês, não será assim. Ao contrário, quem desejar ser importante, seja esse o que serve aos demais” (Mt 20, 25-26).

 

Irmãos e irmãs, queridos:
O tema da mensagem para o 52º Dia Mundial da Paz, celebrado em 1º de janeiro de 2019 é “A boa política está a serviço da paz”. 
Comentando a escolha do tema, a Santa Sé explicou que a responsabilidade política pertence a todo cidadão, em particular a quem recebeu o mandato de proteger e governar: proteger o direito e encorajar o diálogo na sociedade, entre as gerações e culturas. Não há paz sem confiança recíproca e a confiança tem como primeira condição o respeito pela palavra dada. O compromisso político, uma das mais altas expressões da caridade, traz a preocupação pelo futuro da vida e do planeta, dos jovens e das crianças, em sua sede de realização, destaca o texto da mensagem.

Mas política é um tema espinhoso.

Diz respeito, basicamente, às relações de poder: a forma como o poder é exercido, como o poder tem poder, e o que dá poder ao poder. E o poder é sempre perigoso. Para ter poder, alguém tem de ser obedecido, e para ser obedecido, tem de ter poder. A política é que faz isso acontecer. Mas isso gera pororocas em todas as relações.

Temos visto que o que está em jogo na política não é o amor, a menos que o amor seja um exercício de poder. Que o que está em jogo na política não é a virtude, a menos que a virtude seja uma emanação de poder. Que o que está em jogo na política não é a liberdade, a menos que a liberdade entre em confronto com o poder.

“Entre vocês, não será assim”. É bom lembrar constantemente dessa advertência do Senhor.

Em toda reconstrução do mundo, o que se reconstrói são as relações de poder. É aí que entra a política: a política distribui o poder, porque a única forma de manter os limites do poder é distribuindo o poder. Todos os regimes políticos são modos de distribuição do poder.

Porque o poder, repito, é sempre muito perigoso.

A política é cheia de paradoxos e confusões. Quando juízes avaliam seu próprio trabalho, dizendo que foi um julgamento legal e não político, estão dizendo que o julgamento foi feito de acordo com a lei, e não com a política. Por trás dessa afirmação, está em jogo a identificação da política com interesses escusos. Como temos visto, aliás, infelizmente!

A política adquiriu a cara de um poder maléfico, do qual somos vítimas tolerantes. No entanto, a política é uma instituição humana, que busca permitir a expressão das diferenças e resolver conflitos, sem recorrer ao extermínio recíproco da guerra, esse sim, um mal sem controle.

A política é o modo pelo qual a sociedade delibera e decide em comum, coisas que são comuns. Pessoas desiludidas se isolaram da política. Mas esse isolamento também é política, porque permite que as coisas continuem como estão, nas mãos em que sempre estiveram. Apatia social também é uma forma de fazer política, ainda que passiva.

Para saber o que a política representou no mundo antigo, basta olhar o que veio antes: um poder patriarcal despótico, poder de vida e de morte, poder pelo simples atrativo do poder.

Com a invenção da política, foi separada a autoridade pessoal e privada do chefe por uma autoridade pública. Daí veio a separação de poderes. Veio também a separação entre a autoridade mágico-religiosa e a do poder temporal laico, que impediu a divinização dos governantes. O nazismo foi a última forma de regressão ao estado mítico do poder. Esperemos que nunca mais!

A prática da lei, como expressão da vontade coletiva e pública, definidora de direitos e deveres, foi outra grande conquista, que retirou do indivíduo privado, o direito de fazer justiça com as próprias mãos; quem administra a justiça é o Estado, sob a tutela da lei e do direito. Com isso, veio a criação de instituições públicas, do erário público, do espaço político público. Repito: só acha que isso é pouco quem não conhece a História do que veio antes.

Precisamos cuidar da política, como se cuida de uma ferida, para que não infeccione. Em qualquer regime político, o que define a legitimidade é a liberdade, que precisa ser cuidada, porque é sempre frágil diante dos totalitarismos. Liberdade e democracia requerem cuidados especiais.

Apesar de tudo, a democracia é o melhor que conseguimos. Mas isso significa que ainda temos chão pela frente! E sem utopias salvadoras.

O que esperar da política? E o que não esperar?

Não se deve esperar da política a construção de um mundo melhor. Deve-se esperar dela que saiba controlar o poder, para que ele deixe as pessoas em paz e elas nem se lembrem que ele existe. Só nos lembramos que temos pé, quando o sapato aperta.

Deve-se esperar dela que valorize o homem em toda sua humanidade.
O homem não é um mecanismo de relógio, que basta dar corda para que funcione. Só a liberdade edifica o homem. Na liberdade, ele avança, mesmo correndo sérios riscos e perigos. É esse avançar que o caracteriza como humano.

Ainda existem sombras, mas só a noite não tem sombra. Se existem sombras é porque alguma luz continua brilhando. Quanto mais forte a luz, maior a sombra. Precisamos encontrar um nome para essa luz e confiar nela, porque caminhar na escuridão total é impossível.

“Vocês sabem que os governadores dos povos os dominam e que as pessoas importantes exercem poder sobre as nações. Entre vocês não será assim. Ao contrário, quem desejar ser importante, seja esse o que serve aos demais” (Mt 20, 25-26).

Certa vez, o Papa São Paulo VI, nessa mesma ocasião do Dia Mundial da Paz, disse que o desenvolvimento era o novo nome da paz. Queremos que solidariedade e honestidade também sejam sinônimos de paz. A ferramenta da paz é a justiça. Que elas estejam entre nós. 
O Papa Francisco nos diz: “Concluir o ano é voltar a afirmar que existe uma honra, que existe a plenitude do tempo. Ao concluir este ano, nos fará bem pedir a graça de caminhar em liberdade para reparar os erros e defender-nos da saudade da escravidão”.

 

Desejo de todo coração que 2019 seja um ano de paz. Paz não se exige, paz se constrói.

Desejo, de todo coração, que a política esteja a serviço da paz, e que cada um de nós sejamos instrumentos da paz. 

Dedico este novo ano aos cuidados maternos de Maria, Mãe do Mundo e Mãe da Igreja. Que em seu coração, encontremos nosso refúgio.
Amém.

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

 

Fonte: Arquidiocese de Niterói



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